domingo, 2 de janeiro de 2011

Sermão: “SE ALGUÉM NÃO TEM O ESPÍRITO DE CRISTO, ESSE TAL NÃO É DELE”


O que é um cristão? Perante esta pergunta, muito naturalmente alguém responderá que um cristão é um discípulo (ou seguidor) de Jesus Cristo. De facto o termo “cristão” foi utilizado pela primeira vez em Antioquia (da Síria), muito provavelmente pelos pagãos, para definir ou caracterizar os discípulos de Jesus: “Em Antioquia, foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos.” (Atos 11:26). Mas será que um cristão define-se apenas pelo facto de ser um seguidor de Jesus Cristo? Não, um cristão não é só um seguidor (ou discípulo) de Jesus Cristo! É isso, sim, mas é igualmente muito mais do que isso! O apóstolo Paulo não podia ser mais claro, convincente e perentório, quando, em breves palavras, proferiu esta solene afirmação: “E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele.” (Romanos 8:9)

Será então possível, alguém ser um seguidor de Jesus Cristo e, mesmo assim, não ser um cristão, na plena aceção do termo? Sim, claro que é possível! Basta essa pessoa não ter o Espírito de Cristo, ou o Espírito Santo, nela! Foi isto que o apóstolo Paulo afirmou! Tomemos um exemplo bíblico que confirma essa afirmação do apóstolo Paulo: foi Judas Iscariotes um discípulo de Jesus Cristo? Sim, Judas Iscariotes foi considerado não apenas um discípulo, mas também um apóstolo de Jesus[1]. Mas, foi ele um verdadeiro cristão? Jesus, em determinado momento do Seu ministério terrestre, mais precisamente “um ano antes da traição”[2], disse que ele era um “diabo”[3]. Pode alguém ser simultaneamente um cristão e um diabo?

Mais: pode alguém ter sido batizado “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mateus 28:19) e, mesmo assim, não ser um cristão? Não disse Jesus a Nicodemos que ninguém “pode entrar no reino de Deus” a não ser que nasça “da água e do Espírito” (João 3:5; negrito acrescentado)? Por outras palavras: pode alguém “entrar no reino de Deus” nascendo da água, isto é, passando pelo batismo da água? A resposta de Jesus é clara: não, não pode! Para alguém “entrar no reino de Deus” tem necessariamente que ser um “nascido do Espírito” (v. 6 e 8)! Após o martírio de Estêvão[4] – diz-nos o livro de Atos dos Apóstolos – “levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judeia e Samaria" (Atos 8:1), e “os que foram dispersos iam por toda parte pregando a palavra” (v. 4). O mesmo livro bíblico também nos relata que “Filipe[5], descendo à cidade de Samaria, anunciava-lhes a Cristo” e que “as multidões atendiam, unânimes, às coisas que Filipe dizia, ouvindo-as e vendo os sinais que ele operava." (Atos 8:5-6) Tal foi o impacto que a pregação de Filipe teve sobre as “multidões” que habitavam em Samaria, que nos é dito que “quando, porém, deram crédito a Filipe, que os evangelizava a respeito do reino de Deus e do nome de Jesus Cristo, iam sendo batizados, assim homens como mulheres” (Atos 8:12). Mas, depois disto, um facto “curioso” ocorreu, segundo a narrativa bíblica: “ouvindo os apóstolos, que estavam em Jerusalém, que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram-lhe Pedro e João; os quais, descendo para lá, oraram por eles para que recebessem o Espírito Santo; porquanto não havia ainda descido sobre nenhum deles, mas somente haviam sido batizados no nome do Senhor Jesus. Então, lhes impunham as mãos, e recebiam estes o Espírito Santo.” (Atos 8:14-17; negritos acrescentados). Quando, mais tarde, Paulo “chegou a Éfeso e, achando ali alguns discípulos” (Atos 19:1) lhes perguntou: “Recebestes, porventura, o Espírito Santo quando crestes?”, e ouviu da parte deles esta resposta: “Pelo contrário, nem mesmo ouvimos que existe o Espírito Santo” (v. 2), apesar de terem sido “batizados… no batismo de João” (v. 3), imediatamente foram tomadas providências para que não só fossem aqueles “discípulos” rebatizados (ou batizados de novo) (v. 5), mas também para que recebessem o Espírito Santo: “impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo” (v. 6; negritos acrescentados).

Fará hoje algum sentido lançar a mesma pergunta que Paulo fez outrora aos “discípulos” que encontrou em Éfeso (“Recebestes, porventura, o Espírito Santo quando crestes?”) aos membros das várias igrejas adventistas do sétimo dia espalhadas pelo nosso país e pelo mundo? Dar-se-á o caso de, entre nós, termos muitos que, apesar de serem discípulos de Jesus Cristo por terem crido n’Ele, ainda não receberam o Espírito Santo? Como é evidente, não posso responder a esta pergunta porque simplesmente não posso conhecer e/ou julgar o tipo de experiência espiritual de cada um[6], mas posso responder por mim próprio: nasci numa família adventista e fui batizado pela água quando tinha 19 anos de idade, mas só fui um “nascido do Espírito” oito anos depois, quando já tinha 27 anos! E que diferença radical o nascimento “do Espírito” provocou na minha vida! Tudo – literalmente TUDO – mudou! Comecei a ver-me a mim próprio sob uma perspetiva sob a qual nunca me tinha visto antes – antes considerava-me uma “boa” pessoa, agora sentia uma profunda agonia interior por me ver como um horrível pecador necessitando desesperadamente de um Salvador! O conteúdo da Bíblia, de repente, começou a fazer sentido para mim, como nunca dantes, e parecia que tudo o que lá estava escrito aplicava-se diretamente a mim mesmo – quer as suas repreensões diretas que, quais espadas cortantes de dois gumes me penetravam até ao âmago da minha alma[7], fazendo-me chorar amargamente pelos meus pecados (como Pedro chorou pelos seus[8]), quer igualmente as suas reconfortantes promessas que, muitas e muitas vezes, me faziam igualmente chorar de gratidão pela alegria incomensurável que me traziam! Eu sentia-me numa “nova onda”, num “outro mundo”, numa nova realidade – era a realidade à qual o Espírito Santo do Deus eterno me estava a conduzir. Que gozo indescritível eu senti quando li que “todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Romanos 8:14)! Sim, eu era “agora” um filho de Deus[9], e porque “o próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Romanos 8:16), eu tinha a certeza de que essa convicção de que eu era AGORA um filho de Deus não provinha de mim próprio, mas do Espírito Santo! Não encontro palavras suficientemente claras que possam traduzir toda a intensidade de sentimentos e certezas que vivi durante esse período da minha conversão, do novo nascimento que o Espírito Santo operou em mim! Apenas posso manifestar agora, como muitas vezes o fiz no passado, uma enorme gratidão ao meu Deus, por ter operado em mim uma tão grande salvação, que não se limitou a ser apenas um mero sentimento e/ou uma certeza intelectual, mas que foi e é, acima de tudo e antes de mais nada, uma experiência REAL de vida!

Será que podemos ter a certeza de que o Espírito Santo está connosco? E, se sim, como podemos ter essa certeza?

Em primeiro lugar importa referir que essa certeza pode ser nossa se pedirmos a Deus que nos outorgue o Seu Espírito Santo! Jesus garantiu-nos que, se nós “que [somos] maus, [sabemos] dar boas dádivas aos [nossos] filhos”, então “quanto mais o Pai celestial [não] dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedirem?” (Lucas 11:13). Podemos ter a total garantia e certeza que, quando pedimos ao “Pai celestial” o Espírito Santo, esse pedido enquadra-se perfeitamente na categoria de pedidos de que Jesus disse: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á” (Lucas 11:9-10), porque estas palavras de Jesus antecedem imediatamente a Sua sugestão de pedirmos ao Pai celestial o Espírito Santo.

Em segundo lugar é importante saber ao certo aquilo que o Espírito Santo opera em nós, para em seguida sabermos se isso corresponde ou não à nossa experiência de vida! Jesus disse que o Espírito Santo traria sobre nós a convicção “do pecado” (João 16:8), “porque não creem em Mim” (v. 9). Pergunto: será possível alguém crer em Jesus como seu Salvador se, em primeiro lugar, não se sentir convencido que é um pecador? E nenhum de nós chega à convicção de que é um pecador se o Espírito Santo não agir sobre nós: “Ou desprezas a riqueza da Sua bondade, e tolerância, e longanimidade, ignorando que a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento?” (Romanos 2:4). Considera-se uma pessoa “justa” (como o fariseu da parábola que Jesus contou[10]) ou, antes pelo contrário, considera-se um “pecador” como se considerou a si próprio o publicano? Se ainda não chegou a sentir-se como o publicano se sentiu, então está na hora de ceder à convicção que o Espírito Santo tem seguramente procurado trazer sobre si, mas que você tem persistido em rejeitar!

Em terceiro lugar é igualmente importante saber que o Espírito Santo, segundo Jesus, nos “guiará a toda a verdade” (João 16:13; negrito acrescentado). O apóstolo Paulo disse que Deus “deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1 Timóteo 2:4; negrito acrescentado). Se a convicção que o Espírito Santo trouxer sobre si não o/a levar, prezado/a amigo/a, através do arrependimento, mais longe do que à certeza da salvação em Jesus Cristo, isto é, se não o/a levar a desejar ardentemente conhecer “toda a verdade” ou a ter um “pleno conhecimento da verdade”, então isso será um indicador mais do que certo de que necessitará de pedir (ou pedir mais) o Espírito Santo! A convicção que o Espírito Santo opera em nós e que nos leva a um arrependimento genuíno, levar-nos-á igualmente a sentir a necessidade de conhecer toda a Verdade revelada! Uma coisa é indissociável da outra, como nos diz igualmente o apóstolo Paulo: “na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade” (2 Timóteo 2:25; negritos acrescentados). “Os homens maus não entendem o que é justo, mas os que buscam o SENHOR entendem tudo.” (Provérbios 28:5; negritos acrescentados). Eis aqui uma declaração claramente ousada, que eu nunca teria a coragem de apresentar, se ela não estivesse escrita na Palavra de Deus! E o apóstolo João escreveu algo muito semelhante: “Quanto a vós outros, a unção que dele recebestes [ou Espírito Santo[11]] permanece em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas, como a Sua unção vos ensina a respeito de todas as coisas, e é verdadeira, e não é falsa, permanecei nele, como também ela vos ensinou.” (1 João 2:27; negritos acrescentados).

Em quarto lugar importa salientar que a certeza da presença do Espírito Santo em alguém manifestar-se-á através de uma vida de obediência: “Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis.” (Ezequiel 36:26-27; negritos acrescentados).

Em quinto lugar e por último, refira-se que a presença do Espírito Santo em nós manifestar-se-á num desejo intenso de partilhar Cristo e a Sua Verdade com outros: “mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas…” (Atos 1:8). “Todo o verdadeiro[12] discípulo nasce no reino de Deus como missionário. Aquele que bebe da água viva faz-se fonte de vida. O que recebe torna-se doador. A graça de Cristo na alma é como uma nascente no deserto, fluindo para refrigério de todos, e tornando os que estão prestes a perecer ansiosos por beber da água da vida.”[13]

Concluindo: ninguém é um cristão se não tiver o Espírito Santo sobre ele, e a prova de que o Espírito Santo está sobre alguém manifesta-se quando o poder convincente desse mesmo Espírito levar essa pessoa a reconhecer que é um pecador e a buscar, em arrependimento e confissão, a salvação em Jesus Cristo, levando doravante uma vida de pesquisa intensa de toda a Sua Verdade revelada, de obediência ao Senhor que a resgatou do pecado e de testemunho perante outros do Seu poder salvador e da força poderosa e coerente da Sua Verdade!

À luz do que acabámos de ver, será então de estranhar que Ellen G. White tenha escrito isto:
“Um reavivamento da verdadeira piedade entre nós, eis a maior e a mais urgente de todas as nossas necessidades. Buscá-lo, deve ser a nossa primeira ocupação. Importa haver diligente esforço para obter a bênção do Senhor, não porque Deus não esteja disposto a outorgá-la, mas porque nos encontramos carecidos de preparo para recebê-la. O nosso Pai celeste está mais disposto a dar o Seu Espírito Santo àqueles que Lho peçam, do que pais terrenos o estão a dar boas dádivas aos seus filhos. Cumpre-nos, porém, mediante confissão, humilhação, arrependimento e fervorosa oração, cumprir as condições estipuladas por Deus em Sua promessa para conceder-nos a Sua bênção. Só podemos esperar um reavivamento em resposta à oração. Enquanto o povo se acha tão destituído do Espírito Santo de Deus, não pode apreciar a pregação da palavra; mas quando o poder do Espírito lhes toca o coração, então os sermões não ficarão sem efeito. Guiados pelos ensinos da Palavra de Deus, com a manifestação do Seu Espírito, no exercício de sã descrição, os que assistem às nossas reuniões adquirirão uma preciosa experiência e, voltando ao lar, acham-se preparados para exercer saudável influência.
Os antigos porta-bandeiras sabiam o que significava lutar com Deus em oração, e fruir o derramamento do seu Espírito. Estes, porém, estão a retirar-se do cenário; e quem é que está a surgir para preencher-lhes o lugar? Como é com a geração que surge? Estão eles convertidos a Deus? Estamos nós alerta quanto à obra que se está a desenvolver no santuário celeste, ou estamos à espera de algum poder impelente que venha sobre a igreja antes de despertarmos? Temos esperança de ver toda a igreja reavivada? Tal tempo nunca há de vir.
Há na igreja pessoas não convertidas, e que não se unirão em fervorosa, prevalecente oração. Precisamos entrar na obra individualmente. (…)
Temos muito mais a temer de dentro do que de fora. Os obstáculos à força e ao êxito são muito maiores da parte da própria igreja do que do mundo. Os incrédulos têm o direito de esperar que os que professam observar os mandamentos de Deus e ter a fé de Jesus, façam muito mais do que qualquer outra classe para promover e honrar mediante a sua vida coerente, o seu exemplo piedoso, a sua influência ativa, a causa que representam.”[14]?


[1] Ver: Lucas 6:12-16, onde é igualmente feita a distinção entre “discípulo” e “apóstolo”.
[2] Ver: Ellen G. White, A Paixão de Cristo, Publicadora Servir, pág. 41
[3] Ver: João 6:70-71
[4] Ver: Atos 7:54-60
[5] Provavelmente este "Filipe" mencionado não era o apóstolo de Jesus mencionado em Lucas 6:13-14, pois não lhe é dada a designação de "apóstolo", mas seria um dos sete diáconos mencionados em Atos 6:3-6. Além disso, é-nos dito que os "apóstolos" permaneceram em Jerusalém (Atos 8:1, 14), enquanto Filipe estava a pregar em Samaria.
[6] Ver: Mateus 7:1 e 1 Coríntios 4:5
[7] Ver: Hebreus 4:12
[8] Ver: Lucas 22:62
[9] Ver: 1 João 3:1-2
[10] Ver: Lucas 18:9-14
[11] Ver: 1 Samuel 16:13
[12] Note que Ellen White estava perfeitamente consciente de que nem todos os discípulos de Jesus são verdadeiros discípulos, porque há discípulos e “discípulos”, como vimos no início.
[13] EGW, O Desejado de Todas as Nações, nova edição da Publicadora Servir, pág. 152
[14] EGW, Mensagens Escolhidas, vol. 1, Casa Publicadora Brasileira, 1985, pág. 121-122

Preparado por Paulo Cordeiro - Pastor da Igreja Adventista de Aveiro - Portugal 

Luís Carlos Fonseca

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